Correspondances
“Flamingo”
A beleza infinitamente dolorosa de criaturas entre dois géneros. Héctor Olguin constrói e coloca em cena um conjunto de personagens excêntricas. Cada uma dessas personagens tem um pouco dele, quer sob a forma de fragmento quer sob a forma de detalhes da sua própria identidade. Assim, o artista reflete, um leque de silhuetas incertas e febris, a passagem de um género para o outro pela fórmula de travestir ou pelo carácter andrógino.
As imagens da série Flamingo exibem elementos icónicos, facilmente apreensíveis como por exemplo cenas da mitologia: Pandora iluminada por uma luz mágica que resulta da abertura da caixa proibida.
Personagens de fábulas: o Pinóquio de postura insolente agitando um bouquet de ramos diante do seu rosto adormecido.
No entanto, qualquer uma destas personagens fica encerrada no seu próprio mistério, de olhar ausente. Esta ambiguidade é reforçada pelo facto que o fotógrafo Héctor Olguin, não nos revelar uma perfeita evidência óptica. Em algumas fotos o corpo do modelo fica difuso no universo barulhento e colorido que o rodeia. O modelo torna-se um corpo subtil em composição com o cenário fantástico, vibrante, luminoso que excita o olhar. Assim, as imagens embrenham-se numa nuvem de movimento, tanto excitadas e desordenadas como dengosas e dançantes.
Nos trabalhos precedentes, ” Interzone”, “Ni pour ni contre”, ” Le Poisson Doré”, as imagens estão igualmente marcadas por sensibilidade e movimento, em que cada fotografia se compõe de campos visuais lentos e/ou acelerados, que resultam numa distorção das imagens, dificultando a leitura dos seus conteúdos.
“Flamingo” revela-nos uma nova série de personagens de corpos de caraças, que se deformam e se distendem à semelhança de uma contorcionista de calças rosa, com as pernas enlaçadas por dois fantasmas. As poses impostas ao modelo deixam-nos imaginar uma serpente a pavonear-se sobre os corpos torcidos.
Esta série multiplica pequenos atos onde as personagens parecem estar numa faixa de luta invisível, tanto violenta como silenciosa, e onde se reúne um sentimento da beleza e dor, que participam num mesmo quadro.
Outras figuras mais inquietantes dão-nos a sensação crescente de ver a morte a insinuar-se por alusão a sonhos estranhos que nos é proposto: um esqueleto, uma adoradora do demónio com cornos e uma esquartejadora de cabeças… A lógica onírica que rege o conjunto da série remete para outro mundo. Uma vidente sem seios, dobrada sobre a tiragem das cartas que tenta nos convencer.
As personagens da série Flamingo situam-se na margem de outro mundo. Elas são portadoras de gestos convulsivos agitando braços e mãos num universo de presságio que evoca o misterioso.
A “coreografia visual” que é proposta por Héctor Olguin aparece próximo de um estado de transe, uma passagem na direção de um orgasmo místico. Cadeia narrativa, sem ordem definida, de estados de almas exaltadas.
Estas imagens têm uma capacidade de penetração estética: elas atingem o coração como um lugar de realização.